São bonecos incrivelmente realistas, feitos artesanalmente para se parecerem com recém-nascidos. Alguns são vendidos por valores altíssimos e tratados como verdadeiros filhos: ganham enxoval, têm nome, fazem parte de ensaios fotográficos e, em muitos casos, ocupam emocionalmente um espaço que seria de um bebê de verdade.
Não há lei que proíba ou limite esse tipo de prática. Cada pessoa tem liberdade para fazer o que quiser com seu dinheiro e com suas emoções, desde que não cometa crime ou contrarie alguma norma legal. Vivemos, afinal, em um país livre.
Mas diante de tudo isso, surge uma reflexão difícil de ignorar: será que estamos perdendo a noção do que realmente importa?
Enquanto adultos dedicam tempo, afeto e recursos a bonecos de silicone, milhares de crianças de verdade — de carne, osso e coração — continuam à espera de uma família nos orfanatos paulistas. Segundo dados recentes do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o estado de São Paulo possui 9.542 menores acolhidos em instituições públicas. A maioria vai crescer e permanecer em abrigos até a maioridade. Entretanto, mesmo os melhores serviços de acolhimento institucional não fornecem o que uma criança precisa para seu pleno desenvolvimento – é o que sugere o estudo supracitado.
O contraste é ainda mais doloroso quando analisamos os números nacionais. Atualmente, existem 4.935 crianças e adolescentes prontos para adoção no Brasil e 35.622 pretendentes habilitados a adotar. Parece um cenário promissor, mas há um descompasso cruel: mais da metade dos pretendentes (26.431) estão concentrados nas regiões Sudeste e Sul, e 33.488 têm preferência por crianças de no máximo 8 anos, com a faixa etária de 2 a 4 anos sendo a mais procurada (11.382 pretendentes).
Enquanto isso, 1.398 crianças e adolescentes estão disponíveis para o que o sistema chama de “busca ativa” — são aquelas consideradas de “difícil colocação”: mais velhas, com doenças ou deficiências e grupos de irmãos. Crianças reais que, diferentemente dos bebês reborn, não podem ser escolhidas por catálogo, não vêm com garantia de perfeição e, principalmente, não podem ser guardadas em uma prateleira quando o “brincar de família” se torna cansativo.
Não se trata de julgar. Cada um sabe de suas dores, de seus vazios e de suas escolhas. Mas talvez seja hora de olhar ao redor e perguntar com sinceridade: onde estamos depositando nosso afeto?
Os bebês reborn podem parecer uma forma de lidar com perdas ou preencher carências. Mas não seria ainda mais bonito — e transformador — direcionar esse amor a quem realmente precisa dele?
Crianças reais não vêm com manual, nem com garantia de silêncio ou obediência. Mas vêm com a capacidade extraordinária de nos transformar. De nos ensinar a amar, a ter paciência e a construir laços verdadeiros. Elas não são perfeitas como os bonecos de silicone, mas são reais. Respiram, sentem, sonham e, acima de tudo, precisam de amor genuíno — não de uma simulação dele.
Talvez a pergunta que precisamos nos fazer não seja se é certo ou errado ter um boneco reborn, mas sim: será que não estamos esquecendo que os bebês de verdade ainda esperam por nós? Enquanto gastamos milhares de reais com bonecos que imitam a vida, vidas reais esperam por uma chance de florescer.
A liberdade de escolha é um direito fundamental. Mas talvez seja hora de refletirmos sobre como nossas escolhas individuais refletem nossos valores coletivos. E sobre como, às vezes, a busca por uma perfeição artificial nos afasta da beleza imperfeita, mas infinitamente mais valiosa, da realidade.
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